Gosto de pensar que a vida de professora de inovação e empreendedorismo só tem coisas boas. É assim que a vejo, francamente: os tópicos, que não podem ser mais estimulantes, interlocutores criativos e entusiásticos (os alunos), colegas superinteressantes, convidados ocasionais igualmente interessantes.
Podia ser melhor? Não, não podia. Só que…Todos os anos, há sempre um momento em que tudo abana nas fundações mais profundas do meu ser. Quando se abre aquele ficheiro de trabalho de casa com o formulário da ideia de negócio e na casinha “cliente-alvo” de repente se lê “everyone” - toda a gente. Não, não pode ser. Fecha-se o ficheiro, volta-se a abrir, e lá está, a palavra que estraga o meu dia por completo.
Nããããõooooo!
A minha filha aparece a correr sem perceber o que aconteceu - “a mãe está bem?”
Nããããõooooo…
Assegurada da minha integridade física, sai da sala abanando a cabeça e eu fico com a dolorosa incumbência de explicar por escrito àquele grupo de alunos bem-intencionados porque é que “everyone” não é, nem nunca será, uma boa aposta para um novo produto.
Quem vive e trabalha no mundo da inovação e empreendedorismo sabe bem quem é o Steve Blank e qual o seu grande contributo para que o investimento em novos negócios se tornasse bem mais interessante do que foi durante aquilo que hoje chamamos “a bolha das dot coms” dos anos 90.
No seu livro “Four Steps to Epiphany”, o Steve Blank sistematizou (leia-se imortalizou!) um conceito que conhecemos como “customer development”, ou seja “desenvolvimento do cliente”. Ora, este processo assenta, tal como o nome indica … no cliente - a razão de ser de qualquer negócio e pilar de toda a atividade económica.
Curiosamente, observo que a definição do cliente-alvo e a escolha do segmento de mercado para o lançamento do negócio é uma área de grande dificuldade no desenvolvimento de startups e, se quiser ser totalmente honesta, no lançamento de novos produtos no contexto das empresas estabelecidas.
Mas então, o que fazer?
O primeiro passo é evitar o top 4 de erros fundamentais que aqui vou enumerar:
Há uma tendência para pensar que quanto maior o segmento-alvo, maior o potencial do negócio. Bom, no contexto de um novo negócio não é tanto assim.
Costumo dizer que o valor gerado por um novo produto ou serviço é inversamente proporcional à precisão com que o cliente-alvo é identificado. Não é uma afirmação científica. É o resultado de muitos anos de observação, tanto como gestora como em todas as vezes que estive no papel de cliente e fui alvo de ofertas genéricas que apenas me suscitavam bocejos.
Num mercado novo, o grande desafio consiste em fazer as primeiras vendas. Para isso temos que identificar os chamados “early adopters”, os pioneiros.
São pessoas para quem é importante ser o primeiro a experimentar a novidade, ainda que haja o risco de não funcionar como promete. São as pessoas que não se importavam de dormir no sofá de um estranho ou de viajar no carro de outro estranho, sem preocupações de segurança ou complexos de imagem social. E aqueles para quem gravar os seus ficheiros numa abstração nebulosa com a promessa de poderem aceder aos mesmos de onde quisessem também era aceitável, sem saberem ao certo se os referidos ficheiros se iriam pulverizar caso a tal “nuvem” se desfizesse. Sim, estou a falar dos clientes pioneiros do Airbnb, da Uber e da Dropbox.
Este primeiro cliente é muito diferente do cliente da fase de maturidade do negócio. E é preciso saber encontrá-lo(a) rapidamente, sob pena do jovem negócio não resistir.
Ainda no século passado, fui a primeira diretora de marketing naquela que é hoje uma das financeiras líderes no crédito ao consumo direto ao cliente. Na altura era um negócio nascente, tentando criar o seu espaço num mercado dominado por bancos dinâmicos já com grande dimensão.
Estávamos, assim, num cenário de produto relativamente novo a entrar num mercado com grande potencial, mas ainda muito imaturo. A minha primeira tentação em termos de comunicação foi fazer o que eu gostaria de ver. Como é que não seria a melhor opção? Afinal, eu gostava…
Felizmente sempre fui boa ouvinte. Umas semanas a ouvir os clientes falar, a observar bem o ambiente e a ler pedidos de crédito mostraram-me que se queria ter sucesso ali teria que aprender a falar uma linguagem diferente. Teria que ir ao encontro das motivações que levariam os portugueses a pedir aquele tipo de crédito, considerar as condicionantes das suas vidas, e oferecer uma possível solução para os problemas que aquelas pessoas viviam.
Saí dessa experiência com a consciência clara de que, na maior parte das vezes, eu - com tudo o que me define demográfica, ética e emocionalmente - não sou o target do produto que vou vender.
Considere a seguinte situação: amanhã acorda com uma imensa dor de cabeça. Dentro do esforço que é existir com uma dor de cabeça das sérias, folheia uma revista em busca de sugestões do que tomar. Encontra dois anúncios diferentes. As promessas de um e outro são:
a) Uma dose de 500mg do mais puro paracetamol, revestido com (um ingrediente com nome científico) e ainda com (outro ingrediente com nome científico).
b) Alívio da dor de cabeça em menos de 10 minutos!
Abre a app da Glovo e qual é que encomenda (com urgência, por favor)?
Eu arrisco adivinhar que é o b). E não é preciso explicar mais nada, pois não?
As pessoas não falam com linguagem técnica, não dizem “eletricidade” e muito menos “baixa tensão normal”, dizem “a luz”; não falam em bits e bytes, falam de necessidades ou problemas que têm e, sobretudo, querem apenas saber o que ganham com a utilização do seu novo produto.
Para comunicar com humanos, é preciso usar palavras que os humanos entendem. Quanto melhor fizer isto, mais vai vender.
Para ilustrar o que quero dizer aqui, vou usar um exemplo presente no livro “The Design Thinking Playbook” (de Michael Lewrick, Patrick Link e Larry Leifer). Eles mostram o perfil de duas pessoas a quem chamam “persona twins”, vou traduzir criativamente por “gémeos de segmento”.
Ambos podem ser descritos por:
Um é o Príncipe Carlos, o outro é o Ozzy Osbourne. Ambos cabem no mesmo descritivo. Podiam ser mais diferentes? Não deve haver um único hábito de consumo comum entre os dois…
Este tipo de segmentação foi útil no tempo em que o Don Draper planeava campanhas de publicidade televisiva ao som dos cubos de gelo no seu whisky.
Más notícias: o mundo mudou, esta abordagem não chega.
Boas notícias: temos à nossa disposição todos os instrumentos de comunicação necessários para fazer melhor.
O Seth Godin, no seu livro “This is Marketing”, escreve o seguinte:
“Begin by choosing people based on what they dream of, believe, and want, not on what they look like. In other words, use psychographics, instead of demographics.”
E um pouco mais à frente:
“(…) you can group them based on the stories they tell themselves.”
No mundo hiper-conectado e em overdose de estímulos em que vivemos, a segmentação eficaz - a melhor forma de escolher a quem queremos vender o nosso produto ou serviço - consiste em procurar quem acredita em histórias semelhantes à história que estamos a contar. Essa é a pessoa que vai gastar dinheiro para ser a primeira a experimentar o que o nosso negócio tem para vender. E essa pessoa é o nosso cliente ideal!
E pronto, aqui fica o meu top quatro de erros capitais a não cometer na sua segmentação de mercado. Confio que daqui para a frente vai ser muito mais simples escolher o seu cliente ideal.
Só mais uma coisa… Se este era o primeiro passo, qual é o segundo?
O segundo passo para trabalhar melhor esta área no seu negócio é pedir-me ajuda a mim e à Fábrica de Startups. Isto é o que fazemos!
Texto escrito por:
Sílvia Almeida, Senior Advisor da Fábrica de Startups